segunda-feira, julho 14, 2008

Se eu morresse amanhã - por Irmã Chan Khong

Um dia em 1981, vendo o quanto eu estava absorvida enrolando pacotes para crianças famintas no Vietnã, Thay Nhat Hanh me perguntou: “Se você morresse hoje a noite, estaria preparada?” Ele disse que devemos viver nossas vidas de forma que se morrermos de repente, não tenhamos nada a lamentar. “Chan Khong você tem que aprender a viver livre como as nuvens ou a chuva. Se você morrer hoje a noite, não deveria sentir nenhum medo ou lamento. Você se tornará alguma coisa diferente, tão maravilhosa como é agora. Mas se você lamentar perder sua forma atual, não estará liberada. Ser liberada significa perceber que nada pode te obstruir, te impedir, mesmo enquanto cruza o oceano do nascimento e morte.”

Suas palavras me perfuraram e eu permaneci em silêncio por vários dias. Não, eu não estava preparada para morrer. Meu trabalho era minha vida. Eu tinha encontrado meios de ajudar as crianças famintas, apesar das dificuldades, e estava feliz de novo. Se eu morresse de repente, quem continuaria esse trabalho?

Eu contemplei muitas questões práticas como essa, enquanto seguia cada inspiração e cada expiração. Eu não estava exatamente tentando achar a solução. Eu sabia que a habilidade de achar uma estava em mim e quando eu estivesse calma o suficiente, uma resposta se revelaria por si. Portanto eu continuei a respirar e sorrir, e alguns dias depois, eu realmente vi a solução. Eu sabia que a única maneira que me permitiria morrer em paz seria se eu renascesse em outros que desejassem fazer o mesmo trabalho. Então minha aspiração poderia continuar mesmo se esse corpo falecesse. Eu pensei sobre os jovens que vinham para praticar plena atenção com Thay e decidi compartilhar com eles minhas experiências e desejos profundos sobre ajudar pessoas que sofrem. Eu os ensinaria como escolher remédios, como embrulhar pacotes, como escrever cartas pessoais aos pobres, e como manter os ocidentais em contato com o sofrimento das pessoas no Vietnã. Alguns jovens ficaram inspirados a começar seus próprios comitês, e hoje há trinta e oito comitês para crianças famintas. Se eu morrer hoje a noite de acidente de carro ou de ataque cardíaco, estas trinta e oito reencarnações me permitirão morrer em paz.

Nguyen Anh Huong, que chegou aos Estados Unidos em 1981, ouviu atenta a tudo que eu disse e me perguntou como começar um projeto. Como refugiada recém-chegada, ela conhecia melhor que eu as muitas famílias em grande sofrimento no Vietnã. Eu a encorajei a preparar sua própria lista de famílias que precisavam de ajuda e a achar patrocinadores para elas. Quando as crianças famintas escrevessem agradecendo, ela poderia traduzir as cartas e mandá-las aos patrocinadores. Lentamente, Anh Huong foi capaz de ajudar centenas de famílias. Bui Than Vu em Paris tem muitas famílias, Bui Ngoc Thuy em Sceaux na França tem oitenta e seis famílias, Annabel Laity em Plum Village está encarregada de quarenta famílias. Adicionalmente, quase todas as irmãs vietnamitas da ordem Tiep Hien (Ordem Interser) na Suíça, Austrália, Canadá, Alemanha e França têm ajudado grupos de famílias famintas.

Se hoje a noite meu coração parar de bater, você verá meu trabalho em todas essas irmãs e irmãos. Há aqueles que continuam meu trabalho pelas crianças famintas, outros que gostam de meu trabalho de ouvir o sofrimento das pessoas de forma que possam ser curadas. Você pode ver meu sorriso no seu olhar e minha voz nas suas palavras. Mas não verá minhas deficiências neles. O samsara de minhas deficiências terminará no dia que esse corpo for transformado em cinzas e então se tornar flor de novo.

Onde quer que eu faça algo, eu vejo os olhos de meus pais e avós em mim. Quando eu trabalhei com aldeões, sempre tinha a impressão que estava fazendo o trabalho conjuntamente com eles e também com as mãos amorosas daqueles amigos que economizaram um punhado de arroz ou poucos dólares para apoiar o trabalho. Minhas mãos eram suas mãos. Meu amor era o amor maravilhoso da rede de ancestrais, pais, parentes e amigos nascidos em mim. O trabalho que eu tenho feito é o trabalho de todos. Não é apenas meu trabalho. Enquanto você lê essas linhas e sabe que, em uma remota área do Vietnã, crianças que são severamente mal nutridas estão recebendo recursos de Plum Village, você pode ver o ato de amor do trabalho coletivo de milhares de mãos e corações. Todos nós, de fato, intersomos. Eu continuarei em cada um e cada coisa que eu já toquei. Não tenho nada a temer e nada a lamentar.

Queridos leitores, agradeço pela sua paciência em ler esse texto. Eu estou com você da mesma forma que você tem estado comigo, e nos encorajamos a perceber nosso mais profundo amor, carinho e generosidade. Juntos no caminho do amor, podemos tentar fazer pequenas diferenças na vida de alguém. O que mais há para fazer?

Quem é a irmã Chan Khong? Quem é Cao Ngoc Phuong? Ela é feita dos seus ancestrais, da terra chamada Vietnã, do ar, do sofrimento, das amizades, dos ensinamentos, da cruel ignorância dos que fazem a guerra, e do amor e entendimento de muitos professores e amigos durante seus primeiros trinta anos naquela parte do mundo e então quase quarenta anos entre muitos bodisatvas no ocidente. As experiências que compartilho são as experiências coletivas de todos que compartilharam a vida comigo.

Se você puder visitar Plum Village onde eu vivo, verá que não precisamos muito para sermos felizes. Um pedaço de madeira sobre quatro tijolos para uma cama, um fina espuma de colchão, um saco de dormir, um lençol fino, algumas caixas para nossos arquivos e muita inspiração e expiração consciente para termos consciência de nossa boa sorte por estar em paz e liberdade para trabalhar por aqueles em necessidade. Cartas vêm todo dia, trazendo boas notícias de trabalhos inspiradores. Mas algumas cartas e telefonemas trazem notícias que nosso trabalho falhou em algumas áreas. Respiração consciente sempre nos ajuda a acalmar e nos renovar de forma que possamos melhor lidar com as dificuldades e transformá-las. Sabemos que você pode fazer até melhor do que fizemos. Portanto é meu desejo que esse texto, este trabalho pelas crianças famintas, este trabalho organizando retiros tenha sido útil para você como testemunha de nossa prática de interser nesta maravilhosa viagem juntos.

- Irmã Chan Khong (primeira ajudante do Thay e com ele nos últimos 40 anos)

8 comentários:

Anônimo disse...

Maravilhoso, inspirador. Estou sem palavras!

Anônimo disse...

Ando triste porque estou doentinha, quase não durmo e tô demorando a melhorar. E assim tô muito cansada. Busco auxilio em Thay, no Buda e em minha mente consciente. Tenho vergonha de pedir ajuda à Sangha, porque acho que posso perturbar. Não estou pronta pra sofrer, e muito menos pra morrer. O LIVRO TIBETANO DO VIVER E DO MORRER tem me trazido reflexões forte sobre a preparação pra morte e a ajuda que podemos dar aos que estão perto da morte. Tenho vontade de estudar esse livro junto com outras pessoas. O texto da irmã me eleva, me ajuda nesse momento. Preciso transmitir muito mais pra muito mais gente, como ajudar mais os necessitados, como formar redes de apoio que se espalhem sem fim. Preciso me entregar mais e mais a Deus e perder todo medo, ter toda paciência com a doença, mas ao mesmo tempo ensinar sempre mais ao meu corpo, o quanto é também sagrado, um templo do Divino, e precisa aceitar a cura e se alegrar com ela.

pemalodron disse...

Na capital de Minas Gerais, Brasil, temos um grupo de estudos sobre a morte. Entramos agora no segundo módulo que vai durar um ano. Sigo o budismo tibetano, da linhagem Nyingma. Mas adoro os livros de Thay! Temos tantos livros sobre a morte e o morrer que as pessoas leigas se assustam. Mas de que adiantam tantos livros e estudos se não estivermos prontos para morrer? Há um mês atrás, quando tive um problema nas gengivas, corri o risco de perder alguns dentes. Senti-me como um condenado subindo o cadafalso. Agora, já em tratamento, constatei que não vou perder dente algum. Mas, com certeza, um dia morrerei. Com ou sem eles. E ainda não estou pronta. Quanta perda de energia e de tempo, quantas lágrimas e aflições! Mas foi um sofrimento enriquecedor! Ele me abriu para outro panorama!

Edna Lucia Ramos disse...

Gostaria de receber indicaçõês de leituras sobre a morte. Tenho algumaqs divergencias com a visão kardecista ,porém sito dificuldades em entender a visâo budista.Moro em BH e tambem gostaria de frequentar alguma reuniâo budista mas ainda não sei onde.Leio os textos do Thay e fico encantada.Gostaria de ver um grupo que estudasse suas ideias acontecer em BH.Ice Silente :gosei de ler seu texto.Me identifiquei.

Anônimo disse...

Edna,

Há um livro do Thay (em inglês somente), chamado "No Death, no Fear". Você pode pedi-lo na amazon (www.amazon.com) ou na Parallax (www.parallax.org). Ele trata do assunto em profundidade e nos mostra os insights do Thay sobre o tema. vale muito a pena.

Edna Lucia Ramos disse...

Leo, infelizmente, não leio inglês.
Mesmo assim, fiquei feliz com sua atenção. Se tiver outros indicações de livro, por favor, me fale. No Dharma.

Anônimo disse...

Que vontade de fazer algo por meus semelhantes necessitados! Espero descobrir o quê?

Terapias Alternativas . Artes Plásticas disse...

OLá Leonardo olá shanga !
preparada para morrer , esta pergunta faz alguns anos que venho me fazendo , certo que nao !
queria muito poder deixar todos os apegos e partir para a vida monastica , me libertar dos apegos todos !
obrigada ! metta .
angela del carmen