Nos últimos anos, Thich Nhat Hanh sugeriu mais de uma vez que palestinos e judeus sentassem juntos em meditação e que praticassem a escuta profunda e o compartilhar do sofrimento de cada grupo. A sugestão de Thay plantou as sementes de um sonho.
Alguns anos atrás, alguns praticantes israelenses começaram o processo de realizar este sonho que tinham em seus corações há muito tempo. Separadamente, estas pessoas sonharam o mesmo sonho, e as condições estavam perfeitas para se encontrarem, trocarem idéias e tornar isso uma realidade. Este sonho era trazer um grupo de judeus e palestinos juntos a Plum Village. Agora que este grupo está aqui por duas semanas, Thay nos pediu para dividirmos esta experiência com você.
Por um período de duas semanas, tivemos encontros – quase diários – presenciados por um grupo misto de cerca de quinze palestinos e judeus, e apoiado por monges e monjas, incluíndo a irmã Chan Khong, irmã Annabel e outros.
Os encontros geralmente duravam duas horas, às vezes mais. O compartilhamento era em inglês, hebraico e árabe, dependendo de quem estava falando, com tradução sempre presente. O ritmo e o formato do processo eram guiados pelos monges e monjas, sob coordenação de Thay. Todos os encontros foram gravados.
Durante os primeiros encontros os membros do grupo foram encorajados a focar no aprofundamento de sua prática pessoal e nutrir sua própria base de estabilidade, junto com o resto da comunidade internacional de Plum Village. Comíamos, andávamos e praticávamos juntos em plena consciência.
Depois de alguns dias nutrindo nossa paz interior – acalmando nossos corpos e mentes – o processo de escuta profunda começou com uma sessão com a irmã Chan Khong. As pessoas no grupo compartilharam sentimentos de desespero e raiva e pediram orientação em como usar a prática de lidar com seus sentimentos. A irmã Chan Khong compartilhou sua experiência em lidar com sua própria raiva e desespero e como achou a sua paz interior e claridade durante a Guerra do Vietnã.
Uma noite, praticamos meditação caminhando juntos na floresta em Lower Hamlet onde nos juntamos na prática de “Começar de Novo” com a irmã Jina e “regamos as flores” uns dos outros. No dia seguinte começamos uma série de encontros nos quais praticamos o compartilhar e o escutar profundo. No decorrer dos encontros, cada pessoa teve a oportunidade de falar em plena consciência e dividir sua história pessoal. Nossas histórias eram frequentemente intercaladas com o sofrimento de nossos ancestrais e daqueles da nossa comunidade atual.
O sino de plena atenção era convidado entre cada compartilhar, assim como quando o compartilhar se tornava muito emocional. Isto nos ajudou a retornar para nós mesmos e ficarmos centrados.
Os palestinos falaram sobre suas dificuldades como árabes-israelenses, a discriminação em Israel, e seu status inferior em relação aos judeus, o governo israelense e a polícia. Eles falaram sobre seus medos de serem removidos de suas casas porque são uma minoria no estado judeu. Eles compartilharam suas experiências de discriminação pelo governo que não permite que eles construam casas nas suas vilas ou desenvolvam suas terras. Eles falaram sobre a terra que foi expropriada e dada aos judeus.
Os palestinos que vivem em Gaza e na Cisjordânia falaram sobre o stress que está presente desde a primeira intifada em 1987, o tratamento humilhante que eles recebem do exército israelense, as condições difíceis sob as quais eles vivem e sua pobreza. Eles compartilharam sobre a deportação de muitos palestinos que viviam nas vilas e cidades árabes durante a guerra de 1948 e sobre serem espalhados pelo mundo, removidos, indesejados e ficarem sem lar. Eles falaram sobre o ódio por esses judeus que tomaram suas casas.
Os membros judeus compartilharam suas dificuldades na luta para proteger um estado cercado de inimigos, sobre seu grande medo dos outros que querem destruí-los, sobre a dificuldade de diferenciar os cidadãos palestinos e os vizinhos árabes que são considerados inimigos, e sobre a vida sob a sombra de medo constante: medo de ataques terroristas nas ruas ou em ônibus, e o medo de futuras guerras. Como resultado deste medo, há muita violência e comunicação agressiva. Os membros judeus compartilharam que a sociedade israelense é deficiente mental e sofre de desconexão consigo mesma. Ela também sofre de apatia e falta de entendimento pelo outro lado. Eles compartilharam que muitos israelenses querem paz e não guerra, mas eles não acreditam nas intenções dos palestinos.
Os membros judeus compartilharam sobre o Holocausto e o genocídio de seu povo na Europa pelos nazistas, um trauma que é impresso em cada alma judia e que afeta seu comportamento. Eles também falaram sobre não terem lar no exílio, por dois mil anos.
A principal emoção expressa foi o medo.
Muitos de nós participaram de diálogos israelenses-palestinos no passado, mas o processo em Plum Village foi diferente porque não envolveu nem diálogo nem busca por soluções. Era uma prática de escuta atenciosa, sem comentários e sem julgamentos. E quando compartilhávamos, éramos encorajados a usar fala amorosa.
O sentimento de segurança oferecido em Plum Village e a presença dos mestres criaram um espaço seguro para compartilhar e ouvir. Um irmão sábio disse: “Se não transformarmos, vamos transmitir.” Cada um de nós, de sua própria maneira, sofreu uma transformação.
- Membros da Sangha de Israel, 6 de agosto de 2001
(Traduzido por Leonardo Dobbin)