Eu conheci a irmã Chan Khong em Paris, em Setembro de 1972 em uma reunião de um grupo ativista não violento liderado por César Chavez. Ela veio para compartilhar seu compromisso de reduzir o sofrimento no Vietnã. Era um tempo de guerra. Ela era leiga e também era fácil para mim ver que ela era movida por amor. Este amor me tocou profundamente e mudou completamente minha vida. No final da reunião, eu estava tão ávido por apoiá-la que perguntei se era possível encontrá-la de novo. Ela concordou e fiquei tão feliz porque meu desejo não era de fato encontrá-la de novo. Era encontrá-la muitas e muitas vezes! E eu tinha uma chance de fazê-lo.
No dia seguinte fui a Sceaux no sul de Paris onde ela estava trabalhando com a delegação oficial da Igreja Budista Unificada do Vietnã. Ela estava me ensinando como sentar no chão quando alguém entrou na sala em tanto silêncio que eu mal o notei. Ele sentou e sorriu para mim. Irmã Chan Khong me apresentou e disse que seu nome era Thich Nhat Hanh. Eu nunca esqueci este momento. Era como uma luz que muda tudo que vemos pela sua aparência brilhante. Nada era o mesmo apenas pela sua simples presença. Mas eu ainda estou envergonhado. Eu tirei um cigarro e comecei a fumar enquanto Thay estava falando para nós! Eu tinha 17 anos, era jovem e bobo. Thay não me embaraçou ou me pediu para parar. Ele apenas me aceitou do jeito que eu era. Esta foi uma experiência muito, muito especial que ainda me nutre. Eu esqueci suas palavras, mas não o efeito de sua presença e seu comportamento. Lentamente, fiquei consciente que eu estava à frente de um ser humano santo, um verdadeiro mestre espiritual.
Irmã Chan Khong me deu algum material para ler. Nele havia algumas cartas particulares. À noite eu comecei a ler. Então caí em lágrimas. A noite toda eu fiquei lendo estas cartas e chorando. A autora dessas cartas era Nhat Chi Mai. Eram cartas que escritas imediatamente antes de sua imolação. Através da imprensa eu tinha ouvido sobre as pessoas que se imolavam no Vietnã, mas eu era incapaz de entender isso como nada além de suicídio a partir do desespero. Lendo as cartas de Chi Mai, eu percebi seu desejo pleno e sincero de se tornar uma luz para ajudar todos nós a ver o que era real. Ela se tornou a luz que desejava. Mai se tornou minha querida luz desde aquela noite e ela ainda está aqui para nós em Plum Village, mesmo que não a notemos.
Isto foi como Plum Village nasceu no meu coração. Um presente de irmãs e irmãos morando no paraíso e inferno ao mesmo tempo, mas firmemente se recusando a deixar o inferno com ainda tantas pessoas nele. Eles estavam tentando trazer todos para o paraíso, enquanto viviam de forma simples com uma prática espiritual ensinada a milhares de anos atrás. Eles partiram meu coração devido a seu modo de vida, e foi como Plum Village começou a crescer profundamente em mim. A ordem Tiep Hien (Ordem do Interser) nutriu as sementes plantadas nesta noite, dia a dia.
Neste tempo, não havia um lugar chamado “Plum Village”. O nome ainda viria, mas o coração de “Plum Village”, a comunidade Tiep Hien, já tinha sido estabelecida por Thay no Vietnã. Nhat Chi Mai e a irmã Chan Khong estavam entre os primeiros leigos desta comunidade criada por Thay. Cada membro era sustentado pelo compromisso e a prática dos demais. Thay era o exemplo para cada um de nós seguindo como nosso guia, nosso pai espiritual. Seus ensinamentos não eram apenas o que ele escrevia, mas sua prática em cada momento. Um tipo de estrela polar para pessoas perdidas no oceano como eu. Ele nos estava mostrando o caminho naquele tempo, assim como hoje. Consciente das necessidades de um centro de retiro para alimentar nossa alegria e aprofundar nossa prática, Thay primeiramente começou um pequeno centro de prática em Fontvannes, não muito longe de Paris. Era de muito ajuda para todos nós. Mas, naquele tempo, “todos” éramos apenas cinco a dez pessoas!
O final da “guerra oficial” chegou ao Vietnã. Poucos meses depois, começou um fluxo de refugiados nos mares perigosos. “Plum Village” se tornou um barco no oceano para resgatá-los, com Thay e irmã Chan Khong a bordo. Os refugiados alcançaram a Europa. O governo e as pessoas estavam dando alívio e ajuda, mas havia muita dor em cada coração. Como trazer paz a estes corações partidos? Como oferecer suporte espiritual para cada um, especialmente as crianças? Eu lembro dos sentimentos de Thay e irmã Chan Khong por todas as crianças. Para mim, é o sofrimento destas crianças que foi o verdadeiro fundador de Plum Village, da qual tantos seres humanos se beneficiam hoje. Era tão difícil ser um refugiado depois de tamanha vida dura no Vietnã. Penso que apenas Thay ouviu o chamado por um “refugiado” – um verdadeiro refúgio espiritual, uma comunidade de prática. Desta necessidade, o nome “Plum Village” estava nascendo. Um verdadeiro refúgio para a Ordem Tiep Hien dar boas vindas para aqueles que sofrem. “Plum Village” nunca foi um conceito – apenas uma resposta apropriada para uma necessidade real, e veio do amor e dos corações abertos de Thay e irmã Chan Khong.
Recentemente eu visitei Plum Village. Estava tão emocionado pelas pedras que ainda são as mesmas. Sua transformação é lenta. Eu as reverenciei sabendo o quão lento eu estou na minha transformação. Eu fiquei emocionado também com as árvores. Lembro delas ainda tão pequenas. Fiquei um tempo olhando cada uma delas, uma por uma. Cada uma me lembrava a sabedoria de Thay. Ele ama tanto as crianças e seu amor é tão criativo. Ele teve a idéia de oferecer uma pequena árvore para cada criança refugiada vietnamita e convidou cada uma a tomar conta e nutrir a árvore e então oferecer os frutos da árvore para uma criança no Vietnã. Cada árvore em Plum Village ajudou duas crianças. Uma era uma refugiada e a outra estava no Vietnã. As ameixas são frutos para nutrir a espiritualidade de cada criança por compartilhar o processo. A sabedoria e criatividade do amor de Thay parecem não ter limites. Muitas pessoas vem e vão, mas as árvores permanecem.
Plum Village é uma dos lares da Ordem Tiep Hien, a Ordem do Interser. Não é sempre fácil interser em plena atenção, mas aqueles que vão lá não estão procurando por um caminho fácil. Apenas comprometidos em tentar, de novo e de novo, a seguir o caminho da plena consciência. As primeiras pessoas a viverem nos hamlets (alojamentos de Plum Village) eram do Vietnã e refugiados de muitos lugares. Plum Village nasceu deles e para eles. Depois os americanos vieram, e poucos franceses. Então, passo a passo, pessoas de todo mundo a visitaram, e mais recentemente da China. Então os franceses finalmente! Cada pessoa traz sua própria cultura e Plum Village parece estar apta a dar boas vindas e integrá-las sem nenhuma discriminação. Plum Village está viva. Nunca é a mesma, mas sempre surpreendentemente nova a cada momento, como uma história de amor sem fim – uma história de inclusividade.
Um dia, há alguns anos atrás, eu vi um monge trabalhando nossa mãe Terra. Eu pensei que era Thich Nhat Hanh, porque eu o vi fazendo isto muitas vezes. Tão feliz por vê-lo, eu chamei “Thay”. Quando o monge virou seu rosto para mim e sorriu, eu percebi que ele não era Thich Nhat Hanh. Ao mesmo momento eu concluí que ele era Thich Nhat Hanh também. Eu fiquei repentinamente deliciado. Thich Nhat Hanh, meu pai, estava aqui em tantos corpos!
Quando eu sentei com Thay e irmã Chan Khong antes de deixar Plum Village recentemente, percebi profundamente que estava em frente de meu pai e minha mãe. Eu desfrutei demais da presença deles, da mesma maneira que da primeira vez que os vi. Estávamos juntos novamente, nós três em uma sala pequena e simples. Eu percebi que nunca nos separamos desde o nosso primeiro encontro trinta anos atrás. Desta vez ele estava deitado quietamente em uma rede e a qualidade da luz que emanava era ainda a mesma. No final, eu disse a Thay que estava feliz demais por ter um pai desses. Ele riu para mim muito gentilmente, como o mais doce dos beijos. Plum Village é também tantos sorrisos e beijos de inúmeros olhos!
Plum Village é um presente das crianças do Vietnã para todas as crianças do mundo. Que possamos abençoá-las pela nossa prática. Trinta anos atrás, Plum Village era apenas dois rostos amorosos, Thay e irmã Chan Khong. Eu sou tão grato por eles terem me dado tantos irmãos e irmãs. Sinto que Plum Village nasceu do amor e para celebrar e praticar amor.
- Pierre Marchand