segunda-feira, junho 09, 2008

Retiro no Vietnã (parte 1)

Querido Thây,
Querida Sangha,

Foi com imensa gratidão e alegria que acompanhei a Sangha de Plum Village durante a visita de Thây ao Vietnã, em maio último. Foram 21 dias de viagem, divididos em três etapas: um retiro de plena consciência, a Conferência das Nações Unidas para o Dia do Vesak, e um tour precioso organizado pela Irmã Chân Không para conhecermos - ao vivo e em cores - o budismo engajado ensinado por Thây, principalmente nas áreas de assistência social e educação.

Fiquei muito feliz quando Leonardo Dobbin me convidou para compartilhar esta experiência através do blog da Sangha Virtual. A idéia inicial era que eu enviasse as notícias e fotos diretamente de Hanói, como uma espécie de ´´correspondente´´, mas a dificuldade de acesso freqüente à internet acabou impossibilitando o projeto. Combinamos então que eu enviaria as ''reportagens'' na volta, para serem incluídas em algumas edições do blog. Envio abaixo a primeira parte.

Hoje gostaria de contar a vocês um pouco sobre o Retiro Budismo Engajado, realizado ao longo de 6 dias em um hotel em Hanói, Vietnã.
O evento contou com a presença de quase 400 pessoas de 41 países e foi conduzido por Thich Nhât Hanh e seus monásticos. Teoricamente, este retiro aconteceria em Plum Village em junho (o tradicional Spring Retreat, que ocorre a cada dois anos e conta com a presença praticamente certa de Mestres do Dharma e membros internacionais da Order of Interbeing (Ordem do Interser)), mas a participação de Thây como principal palestrante na Conferência da ONU em maio de 2008 fez com que o retiro fosse transferido para Hanói.

Poucas vezes vi Thây tão feliz. Apesar de ter sido autorizado pelo governo para entrar no Vietnã pela 3a. vez, seu exílio infelizmente continua e ele não tem trânsito livre no país. Imagino o quão especial deve ter sido para ele estar com sua Sangha em Hanói, comemorando o ano do Budismo Engajado, esse budismo que é a síntese de sua prática, sua vida.

Hanói, Hanói
Hanói é uma cidade peculiar. São 5 milhões de habitantes e (pasmem!) 4 milhões de motos. Apesar do pequeno número de automóveis, a poluição é tão intensa que muitos motociclistas usam máscaras de pano. Buzinas soam sem parar, pois há semáforos apenas nas avenidas principais. Neste caos, como fazer para atravessar a rua? Muito simples: 1) inspire, expire; 2) concentre toda sua atenção no bando de motociclistas que estão vindo para cima de você; 3) faça meditação andando (um pouco mais rápido, lógico) e não pare (sim, não pare, isto é muito importante). As motos vão começar a se desviar de você e seguir caminho. É incrível, mas é o procedimento local - e funciona!
Outro aspecto marcante é a calçada da área mais antiga da cidade (Old Quarter). O mais fácil é andar pela rua mesmo, pois as calçadas ficam lotadas de motos, camelôs de todos os tipos e até famílias inteiras fazendo suas refeições, com mesinhas improvisadas e banquinhos. Mas apesar de tanta pobreza e sujeira, não há sinais de violência e poucas vezes vi um povo tão gentil, solícito e sorridente. Quando penso no sofrimento, nas guerras, na injustiça social, moral e religiosa que abalaram o país, quando vejo a doçura nas palavras de Thây e no sorriso das crianças vietnamitas, entendo de onde vem a força da transformação, essa força que nos é transmitida por nossos ancestrais espirituais.

Sou Feliz, Aqui e Agora
Resquícios do velho Comunismo continuam presentes em Hanói. Pudemos senti-los até mesmo no hotel do retiro. Guardas fardados circulavam pelo pátio e alguns participantes até comentaram, brincando, que se sentiam em um verdadeiro ´´presídio´´, já que Thây havia pedido carinhosamente que não saíssemos do hotel naquela semana, da mesma forma como não sairíamos do mosteiro para fazer compras ou turismo.
Pessoalmente, percebo que tal ambiente me permitiu vivenciar algo totalmente novo. Em vez do silêncio, da tranqüilidade e das lindas paisagens que os mosteiros ou locais escolhidos para os retiros normalmente nos proporcionam, desta vez estávamos em uma cidade poluída e barulhenta, em um ambiente com pouca vegetação e muito árido. Sabe aqueles momentos em que algo na palestra do Dharma pegou fundo e você quer ficar sozinho, procurar algum campo bonito para ver o pôr do sol ou deitar na relva e sentir a brisa? Pois é, lá não tinha nada disso. No começo, confesso que foi um pouco angustiante, mas aí é que entra a beleza da prática, que provoca transformações e permite que você seja realmente feliz, no aqui e no agora. Tive que praticar mesmo a escuta atenta para conseguir ouvir os pássaros e insetos, olhar profundamente para perceber a beleza que havia ali. E, lentamente, a cor viva das poucas flores do lugar foi se revelando, o verde intenso das árvores e o mar de sorrisos dos funcionários do hotel e de pessoas tão queridas que estavam totalmente presentes ali, naquele momento.

Impermanência
Na véspera da data marcada para a tão esperada caminhada com Thây pelo Lago Hoan Kiem, no centro de Hanói, fomos surpreendidos pela notícia de que deveríamos estar no local às 5:30 da manhã, e não às 8:30, conforme a programação. Não foi preciso dizer nada, estava claro para todos que fora a forma encontrada pelo governo para minimizar o ''impacto'' de Thây na população local.
O Lago ficava um pouco distante do hotel, portanto a Sangha se dividiu em grupos. No meu ônibus estava a Irmã Dang Nghiem, que nos contou que, para Thây, aquela caminhada era um presente da Sangha para o Vietnã e para os vietnamitas. Naquela manhã, a Sangha fluiu como um rio, como um só corpo, e entendi as palavras de Thây ao ver o carinho, as profundas reverências e as lágrimas nos rostos de tantos vietnamitas que nos aguardavam na região do Lago. Apesar da guerra, do regime comunista e da opressão religiosa no passado, o Dharma e o Budismo Engajado de Thây continuam vivos.

As Palestras do Dharma
Thây nos brindou com palestras diárias do Dharma e em cada uma delas contou um pouco sobre a história do Budismo Engajado, suas origens e toda a perseverança, diligência e compaixão que permitiram que os esforços iniciais da School of Youth for Social Services, fundada por ele, tivessem continuidade até hoje.

- texto: Denise Kato (Sangha Plena Consciência)
- fotos: Paul Davis
- Muito obrigado a Denise por essa doação de tempo e de esforço. Agardeço em nome de todos.

3 comentários:

Anônimo disse...

Fiquei emocionado lendo o relato. Fui transportado para o retiro e tocou e renovou minha prática. Obrigado.

Rogério Lima disse...

Olá. Imagine minha surpresa ao encontrar esseBlog fazendo uma pesquisa no Google. Agora imgine minha alegria ao ler esse Post. Imaginou? Então multiplique várias vezes .. é assim que me sinto.
Já coloquei o link no meu blog e vou ficar sempre - ou diariamente - de olho. Comentando qdo puder. Gde abraço!

Harley Arruda disse...

Ei Denise,
Me emocionei muito lendo este relato. Fico feliz... é o que consigo dizer agora! Que grande presente para os vietnamitas e que grande presente para nós brasileiros! Muito obrigado a você e novamente ao Leonardo, que já sabe que sempre estou lendo as correspondências!

Um Lótus pra você, um budha a vir a ser!