Corticóides, que inibem o sistema imunológico, e “Asacol,” um remédio para tratar DII, contribuíram para a remissão temporária dos sintomas – mas esses corticóides tinham uma desvantagem: deixavam-me agitada. Com esses remédios, eu ficava “ligada” vinte e quatro horas por dia. Minha mente não parava nunca e era difícil adormecer ou ter uma boa noite de sono.
No início de 1998, a doença voltou, atacou meu intestino durante vários meses e depois cedeu por mais alguns meses. Depois voltou novamente, aquietou-se de novo, em um ciclo interminável. Naquela época, os médicos só identificaram a doença em meu colo sigmóide e o uso de corticóides foi eficaz, permitindo a remissão da doença. Em cada episódio, eu passava meses alimentando-me de uma dieta insossa, consumindo alimentos simples, que raramente incluíam vegetais, frutas, frutas secas, feijões ou sementes. Minha dieta básica consistia de arroz, massas, ovos, tofu, peixe e bananas. Era comum eu acordar com a sensação de ter que ir correndo ao banheiro, ainda de madrugada. Sentia dor e urgência intestinal, dia e noite.
Os ciclos continuavam – alguns meses sentindo-me mal, perdendo peso, seguidos por alguns meses de recuperação e ganho de peso – durante vários anos. Na verdade, eu diria que terminei minha tese de mestrado graças à terapia com corticóides, pois os medicamentos me davam insônia e me permitiam trabalhar até tarde da noite para terminar o trabalho!
Alguns meses após defender minha tese de mestrado, em novembro de 1999, admiti que a pós-graduação era estressante demais para mim e que eu precisava dar um tempo. Naquela época, meu namorado era francês, e decidi mudar-me com ele para a França. Uma semana após nossa chegada, a doença surgiu novamente durante uma viagem à Tunísia, no norte da África. Quando voltamos para a França, um médico francês confirmou que eu passara por um episódio de colite ulcerativa e voltei ao tratamento com corticóides. Como esses medicamentos costumam agir rapidamente, em poucas semanas comecei a me sentir melhor – só que, dessa vez, o tratamento não parecia estar ajudando muito...
Minha irmã, Liza, estava morando em Bruxelas. Visitei-a algumas vezes e, em uma dessas ocasiões, ela me disse: “Colite ulcerativa é um nome horrível. Temos que dar outro nome para a sua doença… Algo como “Kitten Snickers.” O nome pegou. Amigos e parentes passaram a chamar minha doença de “Kitten Snickers”.
Minha vida na França se resumia a repouso, yoga, emails e, de vez em quando, uma saída para ir ao correio ou a alguma loja, se eu tivesse energia para sair de casa. Foi uma fase muito difícil - não sabia se conseguiria melhorar e a maioria dos meus parentes e amigos morava muito longe. Sentia-me sozinha e assustada. Todos os dias eu sofria dos mesmos sintomas, alimentava-me da mesma dieta insossa. A cada dia, o estresse sentido pelo meu namorado e sua família aumentava. Estavam visivelmente preocupados com o fato de eu não me recuperar.
No começo de abril de 2000, decidi que uma semana de meditação poderia ajudar minha saúde e ser algo bom para minha irmã também. Assim, Liza e eu partimos para o sul em direção a Plum Village, o monastério e centro de práticas budistas onde Thich Nhat Hanh, mestre zen-vietnamita, vive e transmite seus ensinamentos. Plum Village está rodeada por vinhedos e montanhas, no esplêndido interior da França, a leste de Bordeaux.
Ao chegar a Plum Village, senti imediatamente uma onda de paz. Senti o apoio e a harmonia das monjas de Lower Hamlet. Eram receptivas e calmas. Lembro-me de ver o pôr do sol sentada em algumas pedras, de frente para o pomar. Pensei, “Quanta felicidade — os pássaros, animais e árvores parecem adorar este lugar!”
Honestamente, tinha receio de não tolerar Plum Village. Não sabia se conseguiria me concentrar e passar tanto tempo meditando, todos os dias. Inicialmente, foi um choque cultural. Sempre que o sino soava, ou o telefone ou o relógio de parede tocava, todo mundo em Plum Village parava o que estava fazendo e, em plena consciência, observava três respirações. Liza e eu precisamos de alguns dias para nos acostumarmos a parar e observar nossa respiração ao ouvirmos o sino soar. No começo, também tivemos dificuldade em seguir a programação dos monásticos. Acordávamos às 5 da manhã, praticávamos meditação sentada às 5:30, tomávamos café da manhã às 7:30, fazíamos meditação do trabalho às 8:30, praticávamos meditação caminhando às 11:00, almoçávamos ao meio-dia, sentávamos novamente para meditar às 17:30 e jantávamos às 18:30. O Nobre Silêncio começava às 21:30 e continuava até o final do café da manhã do dia seguinte. Durante o Nobre Silêncio, ninguém podia falar nada – o que não era nada fácil nem para Liza, nem para mim, principalmente com nossa herança ítalo-judaica. Algumas vezes também nos vimos forçadas a driblar ataques de risos incontroláveis!
Não achei que saberia lidar com o rigor da programação diária e com minha doença ao mesmo tempo, mas comecei a me sentir melhor com o passar dos dias. Meu rosto ficou mais corado e os sintomas começaram a desaparecer. Fui me sentindo mais à vontade simplesmente ao acompanhar minha respiração. Como podia ser tão simples e, ao mesmo tempo, ajudar tanto? Eu me sentia segura ao fazer parte de um corpo maior, a “Sangha,” uma comunidade de pessoas praticando a plena consciência. Liza e eu decidimos que uma semana não seria suficiente, então ficamos mais uma semana. Depois, acabei decidindo ficar mais tempo e, com o consentimento da comunidade de Plum Village, fiquei por um total de quase seis semanas.
Em Plum Village aprendi a saborear minha comida e a me alimentar com plena consciência. As refeições eram feitas em silêncio nos primeiros 15 minutos para que todos pudessem se concentrar totalmente na comida. Recitávamos as cinco contemplações antes de cada refeição:
“Este alimento é presente de todo o Universo: ele veio da terra, do céu, de numerosos seres vivos e de muito trabalho árduo.
Que possamos comê-lo em plena consciência e com gratidão, a fim de sermos dignos de recebê-lo.
Que possamos reconhecer e transformar nossas formações mentais não saudáveis, principalmente a ganância, e aprendermos a comer com moderação.
Que possamos manter nossa compaixão viva através de uma alimentação que alivie o sofrimento dos seres vivos, preserve nosso planeta e reverta o processo de aquecimento global.
Aceitamos este alimento para que possamos nutrir nossa irmandade, fortalecer nossa Sangha, e cultivar nosso ideal de servir a todos os seres.”
Antes de começar a comer, tentava identificar a origem dos alimentos que estavam no meu prato: se houvesse pão, por exemplo, pensava nos campos de trigo balançando ao vento, sob o brilho do sol. Se fossem ovos, pensava nas galinhas, seus ninhos e sua comida. Via a chuva, a luz do sol e o solo em cada bocadinho de comida.
O modo como as monjas de Plum Village praticavam a alimentação me ajudava a manter a plena consciência durante as refeições. Elas perceberam que eu não me servia de vários dos alimentos oferecidos nas refeições e me perguntavam, “Por que você não pode comer legumes ou verduras?”
“Meu sistema não aguentaria,” explicava. “Só posso comer alimentos mais simples.”
Certo dia, uma das monjas descobriu que eu podia comer banana. A partir de então, sempre que eu encontrava uma monja, acabava ganhando uma banana. Várias monjas chegaram a “quebrar” o Nobre Silêncio para me perguntar se eu queria mais uma banana. Em 24 horas, cheguei a ganhar seis bananas das monjas. A compaixão delas aqueceu meu coração.
Um dia, cometi o erro de me sentar à mesa das monjas. Vi uma senhora alemã sentada à mesa, então fui lá e me sentei também. Uma das monjas superiores sussurrou ao meu ouvido que aquela mesa estava reservada apenas para monjas. E, em seguida, outra monja superiora disse, “Tudo bem, quem sabe ela vira monja um dia.”
Após o almoço, essa monja veio atrás de mim e disse, “Erica, fique de olho no seu cabelo.”
“De olho no meu cabelo?”, perguntei.
“Isso mesmo, se você começar a sentar muito com as monjas, poderá ficar sem cabelo!” Ela se referia à tradição monástica de raspar a cabeça. Depois ela começou a rir, dizendo, “Só estava brincando com você!”
A amorosidade e o carinho dos monásticos e dos leigos em Plum Village foi, com certeza, responsável por parte do meu processo de cura. Sentia mais energia e mais alegria.
Liza também foi parte integrante do meu processo de cura. Ela sabia que eu completaria 27 anos em poucas semanas, no dia 18 de maio. Um dia, depois dos primeiros 15 minutos de silêncio no jantar, ela me perguntou, “Erica, o que você quer de aniversário?”
“Quero comer legumes,” respondi. “Só isso.”
Uma das monjas, a Irmã Tenzin, ouvir minha resposta e, de tempos em tempos, me perguntava “Será que daqui a pouco você poderá comer legumes?”
“Acho que sim,” eu respondia. E torcia para que fosse verdade. Sentia falta de legumes.
Na primeira vez que comi uma cenoura cozida em Plum Village, senti-me no paraíso. Foi o primeiro legume que comi em meses e tive muito cuidado, experimentando apenas um pedacinho. Estava embebido no saboroso caldo preparado pelas monjas com especiarias vietnamitas. Senti uma explosão de sabores na boca – uau! Que sensação incrível! Meus sentidos estavam altamente aguçados com tanta meditação e eu conseguia me concentrar totalmente naquela cenourinha. Desfrutei a textura e o sabor de cada uma das especiarias. Simplesmente derreteu em minha boca.
Comecei a me sentir cada vez melhor e passei a consumir mais legumes e frutas. Em 18 de maio, consegui comer legumes e até chocolate. Espalhei minha alegria oferecendo pedacinhos de chocolate a muitas pessoas em Plum Village. Foi absolutamente delicioso sentir sabores dos quais havia me privado por tanto tempo. Eu tinha recuperado minha saúde e percebi que chegara a hora de voltar aos Estados Unidos e procurar trabalho em uma organização sem fins lucrativos... (continua em outro post).
N.T. Mais de dez anos se passaram deste então. Atualmente, Erica Hamilton vive na Suécia. É membro ativo da Ordem Interser e, além da vida acadêmica, trabalha com aconselhamento voltado ao bem-estar. Está saudável e muito feliz.
-Traduzido por Denise Kato
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